Esta edição do 33.º aniversário do PÚBLICO tem um fio condutor, que é a Vida ou Morte, e parte de dez temas e de dez perguntas de Ai Weiwei. O desafio da redacção do PÚBLICO foi dar respostas aos desafios do director convidado para esta edição especial.
Vida ou Morte
Nasci no ano de 1957, e passaram 66 anos. O meu pai, que era poeta, foi exilado no ano do meu nascimento. Durante os primeiros 20 anos da minha vida, eu e o meu pai vivemos num estado que se aproximava muito da morte. Nesses tempos, sofremos os mais extremos níveis de humilhação e maus tratos.
Escolhemos 10 grandes temas, na sequência de uma conversa com Ai Weiwei.
sobreviverão eles às perseguições?
A discussão acerca dos direitos humanos não deverá ser uma simples exposição da sua importância, mas antes uma invocação face às mais penosas e atormentadoras circunstâncias. Infelizmente, hoje em dia o termo é frequentemente utilizado por aqueles que têm o privilégio de o manipular para seu próprio proveito e como moeda de troca, em vez de ser usado em benefício daqueles que precisam desesperadamente da sua protecção. Esta prática é generalizada, tanto na esfera política como na esfera mediática. Os direitos humanos são um valor partilhado e, quando eles se diluem ou são explorados, deixam de ser verdadeiros direitos humanos, e em vez disso tornam-se uma ferramenta para o lucro.
Ai Weiwei
sobreviverão eles à irrelevância?
Foi Washington deliberadamente excluída desta citação? Protestos, sejam na China, em Hong Kong, em Barcelona, em Paris, ou em Washington, nunca foram eficazes para conseguir uma verdadeira mudança. A marca fundamental do poder é ignorar os protestos. De facto, a existência do poder é sinónimo da existência de protestos. O poder afirma o seu domínio, independentemente de existirem protestos ou não. O poder opera com impunidade. Os protestos são uma forma passiva de resistência, destinada a questionar o abuso do poder e salvaguardar os direitos dos oprimidos. Infelizmente, muitas vezes são olhados com indiferença.
Ai Weiwei
conseguirá sobreviver ao desencorajamento?
Democracia, a mais enganadora palavra do nosso tempo. Algumas pessoas acreditam que têm uma democracia que protege o seu país, o seu sistema e o seu poder, enquanto simultaneamente consideram que outras pessoas não a têm ou não a merecem. Mas o que debatemos como democracia não é a sua verdadeira forma. A verdadeira democracia poderá nunca realmente existir. Em vez disso, aquilo que dizemos que é uma sociedade democrática é uma forma de distribuir poder que falha ao não conseguir responder às exigências de todos, especialmente dos marginalizados. Independentemente da existência de votações, eleições ou participação pública, as decisões são tomadas pela maioria, e isso faz com que já não sejam democráticas, pois negam a importância da existência individual e do livre-arbítrio. Este perpetuar da falsa democracia ocorre devido à influência dos media, à educação e à propaganda, que levam os indivíduos a acreditar que têm representação e identidade, quando, na realidade, a sua vontade foi substituída pelos valores da sociedade, incluindo a educação, o consumo e a necessidade de sobrevivência. Quando falamos acerca de democracia, é essencialmente uma falsidade.
Ai Weiwei
conseguirá ele sobreviver ao que consumimos?
O tema da protecção ambiental tornou-se muito popular nos tempos mais recentes, mas creio que se trata de uma falsa questão. A noção de que os seres humanos estão acima do ambiente, com padrões morais mais elevados e uma maior capacidade para proteger o ambiente, é claramente absurda. O esgotamento dos nossos recursos e a degradação do nosso ambiente são um resultado directo da destruição humana. O consumo desenfreado de recursos e a conversão destes em capital para a satisfação da ganância individual e da selvajaria humana estão a levar à extinção de muitas espécies e ao esgotamento de recursos essenciais. É por isso que eu evito participar em debates acerca de protecção da natureza – a premissa não é válida. A única coisa que estou disposto a dizer é que devemos parar a destruição do nosso ambiente, o que, infelizmente, parece ser uma tarefa quase impossível.
Ai Weiwei
conseguirá sobreviver aos extremismos?
No tocante à liberdade, é muito semelhante à democracia, dado que é uma miragem e falta-lhe substância. Muitas pessoas acreditam que mais poder e recursos equivalem a mais liberdade. Mas, de um ponto de vista filosófico, a liberdade ergue-se da luta e da resistência. Sem o esforço de empurrar as limitações, o que se adquire não é a liberdade, mas o que é concedido, o que equivale a estar manietado.
Ai Weiwei
21 de Março
Centro Cultural de Belém
Como sobrevivem a liberdade, a democracia e os direitos humanos em sociedades cada vez mais polarizadas, onde a intolerância se agrava, os radicalismos dos extremos e do populismo se acentuam, onde potências autocráticas se posicionam como inimigos?
Para participar nas conferências e nos workshops é obrigatória a inscrição (lugares limitados à capacidade da sala).
Sala Luís de Freitas Branco | CCB
Para participar nas conferências e nos workshops é obrigatória a inscrição (lugares limitados à capacidade da sala).
Todos os anos, o PÚBLICO convida uma figura de relevo da sociedade portuguesa, ou que com ela mantém uma relação particular, para dirigir a edição especial de aniversário, que está disponível online e nas bancas nesse dia, a 5 de Março. O director convidado assume a função com toda a autonomia e independência, define quais são os principais temas da edição e acompanha o seu desenvolvimento com as várias equipas da redacção. No fundo, o convidado é responsável, na preparação dessa edição especial, pelas funções que normalmente são desempenhadas pelo director do jornal, da escrita do editorial à escolha das opções da primeira página da edição impressa e da homepage do site do PÚBLIC0. A edição de aniversário, em anos anteriores, já foi coordenada por personalidades tão diferentes como o primeiro director do jornal, Vicente Jorge Silva, o sociólogo António Barreto, o cientista Sobrinho Simões, a comissária europeia Elisa Ferreira ou o escritor Afonso Reis Cabral, director da 30.ª edição, no preciso mês em que fazia 30 anos.
Convidámos o artista chinês Ai Weiwei para ser director por um dia, no 33.º aniversário do jornal, por acharmos que seria a melhor forma de reflectirmos com os leitores sobre as questões que hoje mais preocupam a humanidade. Num contexto de guerra na Europa, de tensão entre Ocidente e China, de ameaças à democracia e de atropelos aos direitos humanos, ninguém melhor do que este artista e activista, vítima de perseguição no seu país, para dirigir o jornal neste aniversário, em 2023. Ai Weiwei sempre teve uma preocupação extrema com a liberdade de expressão e com os direitos humanos, como se percebe quer pelo seu trajecto, quer pela sua obra. Essa constante luta pela liberdade e pelo exercício crítico estão explicitamente descritos no seu livro de memórias 100 Anos de Alegrias e Tristezas, uma homenagem ao pai, o poeta Ai Qing — o nome da publicação é extraído de um poema seu, Yarkhoto — e uma mensagem ao seu filho. Ai Weiwei nasceu em Pequim em 1957, acompanhou o seu pai no exílio em Xinjiang, proscrito e mais tarde reabilitado pelo Governo chinês, e vive, actualmente, em Montemor-o-Novo. É um dos artistas mais globais e reconhecidos da actualidade. Ai Weiwei não é, porém, o primeiro estrangeiro a ser convidado para dirigir o PÚBLICO numa edição especial como esta. A cantora e compositora Adriana Calcanhotto desempenhou essa função, em 2014.
“Sinto-me honrado pelo convite para ser director do jornal”, disse o artista e activista ao PÚBLICO. “Aceitei-o por duas razões: primeiro, penso que a livre expressão deveria ser a manifestação dos atributos da vida em todos os momentos e em todos os lugares. É para mim o atributo mais natural como artista. A segunda razão é que a vida é medida em função do tempo, pelo que a publicação de um dia é tão importante como a publicação de um ano, na minha opinião.” Há ainda um motivo mais simbólico e comovente que levou Weiwei a aceitar o convite do PÚBLICO: a memória do seu pai, aquando do seu exílio, a ler e a fazer correcções ao Diário do Povo, o jornal oficial do Partido Comunista da China, publicado pela primeira vez em 1948.
O PÚBLICO vai oferecer-lhe uma série de conteúdos específicos no dia do seu aniversário, grande parte dos quais serão assinados ou serão da responsabilidade do director convidado. Ai Weiwei, como é habitual nestes casos, assina o editorial e, além disso, fará uma entrevista a si próprio. Mas a sua intervenção vai mais longe, ou não fosse este um artista tão multifacetado, a ponto de ser editor, autor de documentários ou de projectos de arquitectura. Na sequência de várias reuniões com a redacção do PÚBLICO, Ai Weiwei escolheu um tema principal — Vida ou Morte — e dez tópicos: Direitos Humanos, Protestos, Democracia, Planeta, Liberdade de Expressão, Educação, Relação Ocidente-China, Arte, Guerra e Morte. Para cada um deles, formulou uma pergunta e uma curta resposta. E a redação do PÚBLICO desenvolveu trabalhos específicos sobre cada um destes tópicos. Ai Weiwei assumiu, também, a edição das fotografias que vão acompanhar os textos temáticos, no online e na edição impressa, e a escolha da primeira página da edição impressa. No site do PÚBLICO, o leitor poderá encontrar também páginas especiais e uma experiência mais interactiva, nomeadamente com opiniões de pessoas de vários países e continentes sobre o que são, para elas, os direitos humanos. Numa edição especial como esta, vai poder fazer as palavras cruzadas dedicadas ao tema dos direitos humanos e da liberdade de expressão, da autoria de Paulo Freixinho, e não se espante com o logótipo em que aparece o PÚBLICO escrito em chinês. É por uma boa causa.
O jornal impresso do próximo domingo, que assinala o 33.º aniversário do PÚBLICO, é um jornal muito diferente daquele a que está habituado, ou não esteja a ser dirigido por um dos mais globais artistas dos nossos tempos, o chinês Ai Weiwei. A surpresa começa logo pela capa, concebida pelo artista e activista – sem dúvida para ser guardada. E prolonga-se pelo jornal adentro, que tem quase 100 páginas. Dez grandes temas estruturam o essencial do trabalho dos nossos jornalistas nesse dia: dos direitos humanos, à guerra, da tensão entre Ocidente e China, à educação. Outro tema forte: os protestos. Vale a pena protestar? Os temas e provocações que Ai Weiwei nos deixou deram origem a reportagens e entrevistas.